Discurso do Presidente da República por ocasião da
visita aos Estaleiros da Lisnave
Mitrena, Setúbal, 14 de Setembro de 2010
Senhor Presidente do Conselho de
Administração da Lisnave,
Senhora Presidente da Câmara Municipal de Setúbal,
Senhoras e Senhores,
A minha visita à Lisnave não é apenas uma
visita de cortesia.
Perante os esforços, o sucesso e os
resultados que esta empresa tem conseguido atingir nos últimos dez anos, a
visita do Presidente da República é um acto de reconhecimento e quase que um
acto de justiça.
Com efeito, todos sabem como tenho
insistido na necessidade da economia portuguesa conseguir exportar mais e como
tenho procurado chamar a atenção para as empresas que se destacam pelas
exportações que originam, até para fazer delas um exemplo.
E, a Lisnave, da segunda metade de 1997
para cá, reparou mais de 1.500 navios estrangeiros, a isso correspondendo 1360
milhões de euros de exportação. Ou seja, trata-se de uma empresa fortemente
exportadora, com uma taxa de produto exportado perto dos 97%.
Por este facto apenas, a Lisnave, com a
sua actividade a que está associada um Valor Acrescentado Nacional de cerca de
95%, reveste-se de uma grande importância não só para a região em que está
inserida, a região de Setúbal, mas também a nível nacional.
Em bom rigor, uma vez que no seu segmento
de mercado a Lisnave é a maior empresa de reparação naval da Europa e uma das
cinco maiores do mundo, pode-se mesmo dizer que estamos perante um gigante
mundial e que não há muitas empresas portuguesas que se possam inserir neste
tipo de categoria.
Por outro lado, a empresa tem mantido um
elevado nível de empregabilidade, directa e indirectamente, a que corresponde a
utilização no estaleiro em média de 2.500 trabalhadores.
A Lisnave, que foi no passado uma jóia da
coroa da indústria e da economia portuguesa, volta hoje a ser um “case study”
mundial na área em que opera e a ser muito importante para a economia do país.
É essencialmente isto, ou seja, o retorno
da Lisnave à liga de honra das empresas exportadoras portuguesas, que a minha
presença pretende reconhecer e dar a conhecer.
Esta visita não poderia ocorrer em altura
mais oportuna, dado que se celebra este ano o décimo aniversário da construção
do Hydro-lift, o mais inovador complexo de docas deste estaleiro, que tivemos
oportunidade de visitar e que foi construído com know how e engenharia
portuguesa. Trata-se ainda hoje do sistema mais avançado da Europa para navios
em reparação. Com ele, garante-se um nível de preservação ambiental muito mais
elevado que nas docas tradicionais.
Este ano celebram-se também os dez anos da
transferência da actividade da Lisnave para este estaleiro da Mitrena.
Esta decisão e as demais opções
estratégicas definidas no princípio da década para a empresa têm-se revelado
adequadas e são um claro exemplo de como mesmo numa situação extremamente
difícil – como era a situação da Lisnave nessa altura - é possível a uma
empresa portuguesa reinventar-se e adaptar-se com sucesso às novas realidades.
Pelo que sei, infelizmente, ainda não será
neste ano de 2010 que o mercado alvo da Lisnave dará sinais de uma clara
recuperação. A queda da economia mundial, levou a uma acentuada contracção do
comércio internacional e, consequentemente, a uma forte redução da procura do
transporte marítimo e, decorrente desta, uma quebra do mercado da reparação
naval.
Este facto exige cautelas e certamente
obrigará a contenções de custos e despesas, mas estes deverão salvaguardar,
claro está, as responsabilidades sociais da empresa, bem como o espírito de
justiça que urge promover na economia mundial e também na economia portuguesa.
Igualmente importante é compreender que
indústria naval, tal como a indústria aeronáutica, é uma indústria estratégica
para os países que a possuem porque é uma indústria qualificadora que integra
conhecimento e tecnologia.
Portugal, por maioria de razão, deverá
compreender a grande importância estratégica para o país da indústria naval,
dinamizadora que é de inovação no sector marítimo.
Mas devemos reconhecer que nas últimas
décadas não tem havido uma política pública que promova a indústria naval e
incentive as aquisições domésticas por parte de uma armação nacional, que é
hoje diminuta, mas que interessa fazer crescer.
A importância da Lisnave e da reparação
naval para Portugal não advém apenas da sua elevada taxa de valor nacional
incorporado ou da taxa de exportação, nem mesmo dos postos de trabalho que se
geram, e que tão necessários são na conjuntura actual.
Ela decorre da importância estratégica que
têm para todo um cluster marítimo.
Preocupa-me, e tenho-o manifestado com
cada vez maior insistência, que um país como Portugal não consiga tirar partido
do seu maior recurso natural que é o mar.
Foi por isso que na minha intervenção a
quando da celebração do último 25 de Abril me interroguei sobre qual a
justificação que pode existir para que um país que dispõe de tão formidável
recurso natural não o explore em todas as suas vertentes, como o fazem os
outros países costeiros da Europa.
Por isso, também, afirmo que Portugal tem
de repensar a sua relação com o mar. É essencial que criemos condições e
incentivemos os agentes económicos a investir no conjunto dos sectores que
ligam economicamente Portugal ao mar.
O percurso recente da Lisnave é uma
demonstração cabal de que é possível Portugal voltar a ter um sector marítimo
desenvolvido.
Não só a meritória recuperação da Lisnave,
que a catapultou de regresso ao posto de empresa de referência mundial na
reparação naval, nos prova que podemos desenvolver as actividades marítimas do
nosso país, como a sua clientela internacional nos indica que a situação
geográfica de Portugal afinal pode ser uma vantagem e não uma limitação, pelo
menos quando falamos do cluster marítimo.
A Lisnave, com a sua clientela originária
de todas as partes do mundo, é a prova acabada que Portugal, pela sua
localização e pela sua natureza de país costeiro, não é o país periférico que
insistimos em pensar que somos.
Concluindo, as indústrias da construção e
reparação navais são indústrias chave para as demais indústrias do mar.
Por esta razão elas serão igualmente
peças-chave para uma estratégia nacional para o mar.
Por tudo isto, é de saudar, muito
vivamente, o trabalho que está a ser desenvolvido pela Câmara de Setúbal, em
conjunto com diversas entidades ligadas aos sectores do turismo e das
actividades náuticas, tendo por objectivo a criação do “Centro do Mar do
Estuário do Sado”.
Por outro lado, na próxima semana terá
lugar, sob o meu patrocínio, um Congresso sobre Portos e Transportes Marítimos,
organizado pela Associação Comercial de Lisboa, conjuntamente com várias
confederações e organizações empresariais. Esta iniciativa e outras em
preparação indicam-nos que o mar começa novamente a ser visto em Portugal pelo
prisma da economia e como recurso base para a criação de valor e promoção do
desenvolvimento.
Não queria terminar sem dirigir uma
palavra à feliz associação da Ourivesaria Leitão, - a mais antiga ourivesaria
da Europa ainda em funcionamento na mesma família -, com a Lisnave, que
culminou na criação de um conjunto de jóias inspiradas num grande estaleiro
aberto ao mar e ao mundo e no lançamento hoje do Livro «Lisnave, uma jóia da
indústria portuguesa».
Esta iniciativa conjunta, que em boa hora
foi também apadrinhada pelo meu antecessor, o Dr. Jorge Sampaio, diz-me que
estamos certos quando nos propomos partir à redescoberta da geografia de
Portugal e reencontramos no mar a principal imagem de marca do nosso país.
Muitos parabéns a ambas as empresas e aos
designers que realizaram tão prestigiantes jóias.
Muito obrigado pela vossa atenção.
Sem comentários:
Enviar um comentário