17 de Janeiro 2005
Frederico Spranger, presidente da comissão executiva
da LISNAVE:
"Somos talvez a única marca
industrial portuguesa relevante no estrangeiro"
Criada na década de sessenta e ainda hoje
uma das maiores empresas portuguesas, a Lisnave sofreu as consequências do
pós-revolução, já que em 1974 viu aumentados os seus efectivos de 3500 para 10
mil pessoas. Em entrevista ao “Setúbal na Rede” , Frederico Spranger,
presidente da Comissão Executiva da Lisnave, fala do período que se seguiu à
revolução, do espírito revolucionário com que estavam conotados os funcionários
da empresa, espírito esse que “está mais atenuado” mercê da idade das pessoas e
do facto de “perceberem que o caminho anterior não era o mais correcto”.
São ainda abordadas questões como a
polivalência e a flexibilidade de horários para uma indústria que tem “picos
de trabalho”, bem como as medidas aplicadas para resolver a crise em que a
empresa se viu envolvida com a saída do Grupo Mello em 2000, crise essa
que “não deve ser confundida com iminência de falência”, tal como
explica o presidente. Quanto às acusações de ser uma empresa muito poluidora,
Frederico Spranger nega que tal tenha fundamento e afirma-se “disponível” para
mostrar as instalações e a documentação que comprovam as suas palavras. A
Lisnave conta actualmente com 600 efectivos, embora garanta trabalho a cerca de
2500 pessoas, em média, recorrendo sempre que necessário à sub-contratação e,
segundo o presidente, é “o maior estaleiro de reparação naval da
Europa” porque tem sabido manter a “qualidade do serviço e o
cumprimento dos prazos”.
Setúbal na Rede – A Lisnave está livre do cenário iminente de
falência?
Frederico Spranger – Sim. Quando se fala desta empresa é importante ter
em conta que esta empresa, enquanto Lisnave, existe desde 1997, isto apesar da
empresa original existir desde os anos sessenta. A nossa empresa passou por uma
crise significativa no ano de 1999, que levou à decisão de desinvestir do Grupo
Mello e à sua saída de accionista em meados do ano 2000, porém, actualmente, o
espectro que nos ensombrou nessa altura está, tanto quanto é possível prever,
afastado.
SR –
O Grupo Mello saiu porque considerou que não tinha condições para recuperar a
empresa. Como é que os novos accionistas o conseguiram fazer em tão pouco
tempo?
FS –
Essa é uma pergunta difícil de responder, até porque existe uma grande
multiplicidade de aspectos a ter em conta. Primeiro, houve uma redefinição de
estratégia, nomeadamente quanto ao mercado que se procurava atingir. O Grupo
Mello tinha orientado a actividade da empresa para trabalhos de grande
envergadura, sendo que houve uma quebra clara nesse mercado. A nova estrutura
accionista redireccionou a companhia para o seu negócio tradicional, isto é,
para a manutenção de navios e para a sua segurança, sem enjeitar, contudo,
projectos de maior envergadura. Outro aspecto relevante, entre outros, que
tivemos em conta nesta recuperação, foi a optimização dos recursos internos da
empresa, área em que temos obtido significativo sucesso, já que temos vindo a
conseguir que os custos sejam progressivamente reduzidos.
Sendo esta uma actividade de elevada
imprevisibilidade com variações de fluxo de trabalho constantes, torna-se um
pouco mais difícil de gerir, dado que esta actividade tem um mercado muito
sensível às flutuações económicas do mercado internacional. De facto, as
mudanças na economia internacional reflectem-se nos transportes em geral e em particular
no transporte marítimo, porque quando o mercado lhe é desfavorável, a falta de
capacidade financeira dos armadores os impede de disponibilizar fundos para
fazer a manutenção devida; por outro lado, quando lhes é favorável, isto é,
quando os preços dos fretes estão em alta, os armadores não querem “perder
tempo” para fazer essa manutenção. Do meu ponto de vista, o transporte marítimo
tem particularidades que tornam a operação dos navios menos controlável quando
comparada com actividades semelhantes, apesar de existir legislação bastante
rigorosa, mas cuja implementação e cumprimento são de difícil verificação.
Efectivamente, os navios são unidades muito complexas, dado que necessitam de
dispor de equipamento que lhes permita permanecer autónomos por períodos de
tempo muito longos, sem terem contacto com terra; ora, essa complexidade e
dimensão dos navios, tornam–nos muito difíceis de inspeccionar com o rigor
necessário e desejável. É por isso que, por vezes, somos confrontados com
significativos desastres de poluição no mar.
Voltando à sua questão, esta equipa foi
capaz de, com muita dedicação e empenho, dar a volta a uma situação complicada
e que parecia insolúvel. Não estamos em situação de falência, mas em boa
verdade, também não chegámos a estar em 2000. Nesse ano, e nos que se lhe
seguiram, passámos por uma situação económica muito difícil mas não tínhamos
dívidas, o que tínhamos era um mercado que não era suficiente para compensar os
elevados custos internos. O que esta direcção fez, no essencial, foi conseguir,
através da implementação de um conjunto complexo de medidas, atingir o
equilíbrio entre custos e vendas, equilíbrio que temos vindo a procurar manter
e, sobretudo, consolidar.
SR –
O fim da Gestnave pode trazer alterações a essa situação?
FS –
Bom, o fim da Gestnave não é, na verdade, nada de novo. Com sabe, essa situação
está prevista desde 1997. O protocolo previa, tal como ainda acontece, que
quando houvesse necessidade de pessoal adicional, a Lisnave iria recorrer à
Gestnave. Estava previsto que a Lisnave recorresse a serviços da Gestnave até
2007 e, até agora, ainda não houve nenhuma decisão que alterasse esse facto,
apesar de ter sido considerado, em Conselho de Ministros, que a empresa deveria
terminar a sua actividade antes dessa data. Se a Gestnave terminar o que é que
acontece? Bem, diria que é apenas uma antecipação de uma situação que já estava
prevista. Por outro lado, a Gestnave é uma das várias empresas que nos presta
serviços, mas há outras que o poderão fazer, já que pagamos por esses serviços
a preços de mercado.
SR –
A Lisnave está disponível para integrar alguns dos trabalhadores da Gestnave?
FS –
É uma questão que nos tem sido colocada, mas que não tem, ainda, uma resposta
objectiva. Como lhe tenho vindo a transmitir, a Lisnave tem que se preocupar em
optimizar os custos e adequar os seus recursos humanos ao mercado em que está
inserida. Esta preocupação não é em princípio compatível, com a resolução de um
problema que, em boa verdade, não é nosso. Contudo, direi que, sensíveis que
somos ao problema, designadamente na sua vertente social, se pudermos colaborar
com o accionista da Gestnave, fá-lo-emos, mas apenas dentro das nossas
possibilidades, isto é, sem pôr em risco o caminho de viabilização da empresa
que temos vindo a trilhar. O que eu quero dizer com isto é que, se for
encontrada uma solução que permita não agravar os custos com o factor humano,
estamos disponíveis para colaborar com o accionista da Gestnave, através da
transferência de alguns trabalhadores directos.
SR –
Isso significa que a Lisnave prefere continuar a subcontratar do que integrar
novos quadros?
FS – A
questão de princípio, não é essa. Como lhe disse, temos vindo a implementar um
projecto que, entre outros pressupostos determinantes, considera um determinado
quadro de pessoal próprio, com determinados custos e especialidades. Como
facilmente compreenderá, este quadro próprio não é, objectivamente, suprível,
com o conjunto de trabalhadores que o accionista da Gestnave pretende vir a
transferir, ou se quiser, dito de outro forma, não é um problema de “contar
cabeças”. Portanto, a Lisnave não tenciona integrar quaisquer novas pessoas,
embora anteveja a necessidade de vir a formar e recrutar, determinados
trabalhadores com determinadas características. Porém, estamos abertos a
negociações e se obtivermos contrapartidas que o justifiquem, pode ser uma
questão a considerar. Esta é, portanto, uma matéria de negociação, que terá que
ter, contudo, racionalidade económica.
SR -
A Lisnave tem como marca histórica o espírito revolucionário dos trabalhadores.
É uma situação que ainda hoje se faz sentir?
FS –
Essa é apenas uma das marcas e devo dizer-lhe que não é exclusiva da Lisnave. A
indústria naval em todo o mundo, e em particular na Europa, está de alguma
forma conotada com um espírito combativo, algumas vezes agressivo mesmo. Não
podemos esquecer que, recentemente, a Coreia do Sul, um país que é um paradigma
da eficiência, teve problemas significativos nos estaleiros navais. Esta
actividade é muito dura e isso traduz-se numa certa agressividade, que se
manifesta de muitas e variadas formas.
Em Portugal, e na sequência da Revolução,
a Lisnave, que tinha na época 3500 pessoas, viu-se repentinamente com cerca de
10 mil. A Setenave, que era uma empresa emergente, passou a ter cerca de sete
mil funcionários de um dia para o outro. Ora, tratando-se, como referi, duma
actividade agressiva e após uma revolução que acabou com um regime político
repressivo tem que se aceitar que os trabalhadores assumissem essas atitudes
revolucionárias.
Actualmente, essas pessoas têm mais trinta
anos do que na altura e a postura de intervenção vai-se atenuando, além de que
os resultados da agressividade inerente àquilo a que chama espírito
revolucionário mostraram que esse não era o caminho mais correcto para atingir
determinados objectivos. Hoje posso afirmar-lhe que a nossa equipa, composta
por cerca de 600 trabalhadores próprios - embora continuemos a garantir
trabalho, em média, a cerca de 2.500 pessoas - compreende esta indústria e
conhece, por experiência, os problemas complicados que temos que enfrentar.
Somos ainda uma das maiores empresas industriais do país e somos talvez a única
marca industrial portuguesa relevante no estrangeiro. As pessoas compreendem
que é preciso contribuir com o seu melhor para manter a empresa viva e fazem-no
com alguma generosidade. Existem desacordos pontuais, mas eles até são
positivos, sob certo ponto de vista.
SR –
Que tipo de relação existe entre a empresa e os trabalhadores?
FS –
É uma relação profissional e de respeito mútuo, designadamente com os seus
órgãos representativos. Os trabalhadores já compreenderam que a empresa e eles
próprios não podem colocar-se em lados opostos da mesa. A saúde da empresa é
condição absolutamente necessária para a sua sobrevivência, e esta, é
indispensável para a sobrevivência dos trabalhadores enquanto tal. No conjunto
das medidas de gestão que anteriormente lhe referi, uma das que foi
implementada com sucesso, foi a transmissão regular de informação de gestão aos
representantes dos trabalhadores. Sistematicamente são fornecidas informações
sobre os resultados da empresa, acompanhadas de reuniões prospectivas
relativamente à evolução do mercado e de indicadores externos que influenciam,
significativamente, a actividade. Neste contexto, quando temos problemas
específicos para resolver envolvemos as pessoas nessas resoluções, dialogando
com a Comissão de Trabalhadores. Note que não temos nenhuma perturbação laboral
significativa dentro da empresa, há mais de cinco anos, o que atesta da
qualidade das relações existentes.
SR –
De qualquer forma, a classe operária de hoje também é diferente.
FS –
É natural. Os tempos são outros, e os trabalhadores mais novos revelam uma
postura menos reivindicativa, até porque nos anos setenta e oitenta assistiu-se
a alguma dose de irracionalidade que não deixou de ser formativa para os mais
novos. A juventude actual é mais pragmática, é muito mais realista. Esse
espírito manifesta-se talvez por haver maior comunicação, as pessoas conhecerem
melhor a realidade dos outros países, reconhecem melhor a necessidade de manter
as empresas vivas e qual o valor do dinheiro e, particularmente, reconhecem que
não se pode distribuir aquilo que não se produziu ou ganhou. Esse
reconhecimento é muito importante por parte dos trabalhadores.
SR –
Mas a geração actual é também menos participativa, até a nível social, cultural
ou desportivo.
FS –
É verdade, mas eu acredito que isso faz parte da evolução da sociedade. De
qualquer forma nós ainda temos o Grupo Desportivo da Lisnave. O que se passa é
que muitas das pessoas que trabalham connosco vêm da época da Revolução, sendo
por isso pessoas na faixa etária dos cinquenta anos. Ora, a energia e o
espírito que se tem aos 20 anos é completamente diferente do que se tem aos 50.
SR –
Avizinha-se a necessidade urgente de fazer uma renovação da mão-de-obra. Existe
oferta suficiente no mercado de pessoas para este tipo de actividade?
FS -
Sim, eu penso que há, embora necessitando de formação profissional
específica. Embora a maioria das pessoas queira ir para a área dos serviços, a
verdade é que vai começar a haver excesso de funcionários nessa área e torna-se
necessário encontrar outras soluções. Nesta perspectiva, espero que os
governantes percebam que têm que apoiar as actividades produtivas e isso
implica que os jovens sejam orientados para o trabalho na indústria. Temos que
acabar com a ideia de que o trabalho na indústria é inferior. Um operário
industrial é tão válido como um gestor ou um funcionário de um banco e muitas
vezes tem uma profissão mais válida e importante para o país do que nos
serviços. Do meu ponto de vista, a situação que hoje se vive tem a ver com a
desindustrialização. As pessoas querem ter alguma segurança no seu emprego e,
nessa perspectiva, a indústria, a pesca e a agricultura, por razões várias, têm
vindo a oferecer menos estabilidade.
SR –
Existe mão-de-obra especializada para este tipo de indústria?
FS –
Não propriamente para esta indústria. Existem contudo alguns cursos
profissionalizantes, cuja complementação orientada, resolve satisfatoriamente o
problema. Mas a questão, não pode ser vista de forma tão redutora. Na minha
opinião, algo que é necessário fazer, é flexibilizar as regras de contratação
colectiva, que vêm do período pós revolução, isto apesar da nova legislação já
permitir uma negociação um pouco mais aberta. Nesta indústria, pelo facto de
estarmos sujeitos a picos de trabalho imprevisíveis, temos necessariamente que
ter flexibilidade de horários. Depois, temos também necessidade de ampliar o
âmbito das funções das pessoas, pois se, por exemplo, temos um soldador
especializado em determinado tipo de material, ele pode soldar mais que um tipo
de material e, como é óbvio, montar ou colaborar na montagem daquilo que vai
soldar.
SR –
Quer a flexibilidade de horário, quer a polivalência têm sido questões muito
contestadas pelos sindicatos.
FS – É
verdade, mas no decurso da aprendizagem a que todos estivemos sujeitos ao longo
das três últimas décadas, os sindicatos já perceberam que não é com
especialização restritiva que se defendem os postos de trabalho e,
principalmente, que esta mesma especialização não é garantia de empregabilidade
para os trabalhadores. Mas ao contrário daquilo que os sindicatos referem por
vezes, o que nós pretendemos não é “escravizar” o trabalhador, até porque não
podemos ter pessoas demasiado cansadas a trabalhar, porque isso reduz a
produtividade e potencia o risco de acidentes inerentes a esta profissão. A
flexibilidade que pretendemos não o é a qualquer custo, mas dentro do razoável.
Na minha opinião, na questão da flexibilidade de horários, uma forma de
contornar as dificuldades será o acordo de horários anuais, com semanas onde o
trabalhador pode fazer, por exemplo, 50 horas e outras em que faz 30 ou mesmo
nenhumas, se não houver trabalho, algo que permitirá à empresa optimizar os
seus custos. Quanto à polivalência, e tal como já lhe referi, não faz sentido
ter pessoas especializadas para cada coisa dentro duma mesma actividade, pois
um pintor pode e deve estar apto a fazer todo o tipo de trabalhos de pintura.
Não é admissível ter centenas de funções dentro deste ramo de actividade quando
a realidade exige quando muito um par de dezenas.
SR –
A indústria naval vive ou não em crise?
FS –
Na verdade, não existe uma só indústria naval. O que temos é a indústria de
construção naval e a indústria de manutenção ou reparação naval, que são
substancialmente diferentes. Enquanto a primeira é uma indústria de capital
intensivo a segunda é de mão-de-obra intensiva. Falar em crise numa economia
global significaria falar numa crise global, mas isso não é verdade. Tem
havido, contudo, vários períodos de crise, numa ou noutra destas indústrias,
com reflexos mais ou menos significativos. Refiro, a título de exemplo, a que
se verificou nos anos oitenta, fundamentalmente porque a legislação era
muitíssimo permissiva e os navios não estavam sujeitos a um controlo aceitável.
Daí para cá, a idade da frota mundial
desceu muito, o que como compreenderá afecta a reparação naval mas, neste
momento existe mesmo um certo ‘boom’ no sector de construção naval mundial. A
Europa tem vivido alguma crise na construção naval, mas isso deve-se a um problema
estrutural e não conjuntural. Actualmente, países como o Japão, Coreia, e mais
recentemente a China, têm vindo a assumir a liderança mundial nesta actividade,
pelo que a quota europeia tem tendência a decrescer.
SR –
A construção naval é uma actividade que não se pratica na Lisnave?
FS –
Não, essa era a actividade principal da Setenave e por isso mesmo a empresa
teve uma existência difícil, já que foi criada no período da primeira crise de
construção naval mundial. Passou por uma segunda crise nos anos oitenta, em
conjunto com as dificuldades económicas do país e não lhe foi dada uma segunda
oportunidade pela ausência de tecido industrial no país.
A Lisnave nasceu como reparadora e
continua como tal. Esta é uma situação completamente diferente da construção,
porque os navios que navegam no Atlântico não vão deslocar-se de propósito ao
Oriente para fazerem a sua manutenção. Em resumo, existe mercado de reparação
para os estaleiros da Ásia, com os navios que operam mais perto e existe
mercado para os estaleiros europeus, pois a nossa concorrência não vem da Ásia,
mas sim dos outros estaleiros localizados na área Atlântica, Mediterrâneo,
Báltico e Mar Negro. Os países da Europa de Leste entraram neste mercado com
mão-de-obra muito mais barata e, sendo esta uma actividade que requer muita mão-de-obra,
ou seja com preços muito baixos, a entrada destes países veio trazer
dificuldades acrescidas à Lisnave. Porém, vale-nos, em parte, a experiência e o
bom nome de muitos anos ligados a esta actividade para minorar esta desvantagem
competitiva, pelo que, a concorrência mais significativa, continua a ser a que
tem origem na Europa ocidental.
SR –
Como é que se situa a Lisnave face à concorrência?
FS –
Nós somos o maior estaleiro de Reparação naval da Europa e isso não tem a ver
com a dimensão, mas sim com a maior carteira de clientes fidelizados, ou se
quiser, com o número de navios reparados acima de uma determinada dimensão. No
âmbito mundial, estamos entre os três primeiros.
SR –
Como é que essa posição tem sido conseguida?
FS –
Temos conseguido manter a qualidade da nossa reparação, temos conseguido
cumprir os prazos de entrega, algo que é fundamental para o armador, porque o
navio parado não ganha dinheiro e temos conseguido manter-nos competitivos,
através da racionalização de custos. Temos, por outro lado, aspectos naturais
que, não sendo suficientes, nos são favoráveis, tal como o bom tempo que se faz
sentir normalmente nesta região e a posição geográfica do país, que se situa
nas proximidades das rotas principais. Como os navios têm que ser reparados
vazios e não existem aqui grandes portos, os nossos principais clientes são
sobretudo os petroleiros, os graneleiros, navios de passageiros de algumas
linhas e os navios de carga quando se deslocam descarregados na nossa área de
captação, sendo que os dois primeiros, são os principais clientes. Nós estamos
na posição ideal para receber os navios que fazem as rotas América – Europa,
África – Europa e mesmo África – América.
SR -
Recentemente a Lisnave vendeu os estaleiros que tinha em Angola e Moçambique.
Há uma inversão na estratégia de internacionalização?
FS –
Se me permite, antes de responder à sua questão, começo por esclarecer que
estamos a falar de outra Lisnave, a Lisnave Internacional, que, embora seja
detida pelos accionistas maioritários da Lisnave, Estaleiros Navais, é uma
empresa autónoma que se dedica às actividades internacionais do grupo
accionista. O estaleiro em Moçambique tinha lógica de existir quando a Lisnave
Internacional fazia parte do Grupo Mello, porque este tinha mais áreas de
intervenção e interesses naquele país. Quando o Grupo Mello saiu, deixou de ter
significado ter um estaleiro tão pequeno e tão longe, e por isso decidimos
vendê-lo. Angola é uma situação diferente, pois o que acontece é que, pelas
razões conhecidas, ainda é muito difícil trabalhar em Angola e atrair clientes.
É um país ainda com algumas carências a nível de estruturas e, como sabe, com
problemas ainda por resolver nas áreas social, económica, laboral e política.
Neste contexto, depois de uma experiência que vem desde 1982, e mais
assiduamente desde 1996, com a participação em algumas empresas angolanas,
verificamos que apesar dos esforços, os nossos negócios locais continuavam a
ter um futuro muito incerto, pelo menos a curto e médio prazo, o que nos levou
a decidir dirigir a capacidade de investimento para projectos de que se possa
esperar uma rentabilidade mais interessante.
Em Moçambique a situação estava a correr
muito bem e no ano passado fizemos mesmo distribuição de dividendos, porém o
volume de vendas era apenas de 250 mil contos, aproximadamente, pois era uma
empresa muito pequena. Além disso, não existe mercado para crescer, existe
pouco tráfego de navios na região e a própria industrialização do país é muito
limitada, o que nos levou a decidir desinvestir.
Para além destes países estamos em Dakar,
no Senegal, aí sim, com um estaleiro de dimensão significativa. Este é um
investimento iniciado em finais de 1999 e está a correr bastante bem, com
resultados bastante interessantes; é um país onde se pode trabalhar, e temos
conseguido convencer alguns armadores europeus e, com isso, aumentar a nossa
carteira de clientes.
SR –
Estando situada numa região de paisagem protegida, como é que se consegue
conciliar a actividade da Lisnave com a protecção ambiental.
FS –
Consegue-se conciliar a actividade com o ambiente tendo cuidados ambientais.
Quando implantámos aqui os nossos estaleiros fizemos investimentos
significativos na área ambiental; construímos duas ETAR’s, uma para águas
domésticas e outra para águas industriais, com tratamentos específicos para
cada uma das duas e a água está em perfeitas condições, inclusivè
bacteriológicas, quando é lançada no rio. Outra das questões de que muito se
tem falado a nível da comunicação social é o problema da grenalha. Deixe-me
dizer que, embora a maior parte da grenalha que aqui existia não tenha sido
produzida por nós - quando iniciámos a operação do estaleiro da Mitrena, no
final de 2000, existiam no estaleiro cerca de 250 mil toneladas de
grenalha utilizada – nós temos vindo a procurar resolver o problema com todo o
empenho. Embora este produto não tenha qualquer tipo de toxicidade, como
podemos provar por estudos entretanto efectuados, temos vindo, desde 2000 e de
forma sistemática a limpar a área onde se encontrava localizada, entregando
essa grenalha como matéria-prima para a indústria do cimento e temos vindo a
atingir os nossos objectivos, sendo que acordámos, com o Ministério do
Ambiente, um período de dez a quinze anos, para terminar essa limpeza. Posso
dizer-lhe contudo, que ao ritmo actual, espero que esta operação possa vir a
ser concluída, muito mais cedo.
No que se refere ao meio aquático não há
qualquer problema, até porque análises efectuadas demostram que os elementos
que excedem os padrões legais permitidos são originários de pesticidas e estes,
como saberá, são provenientes de outro sector de actividade que não o nosso.
Outra situação de que muito se fala,
também, é a aplicação dos anti-vegetativos nos navios. É no entanto uma questão
que resulta de deficiente conhecimento das pessoas. De facto, e aproveito esta
oportunidade para procurar esclarecer o assunto, os anti-vegetativos poluem as
águas após a sua aplicação e todos os navios usam esse tipo de produtos, para
proteger os seus cascos. Assim, se quiséssemos fazer uma avaliação do impacto
causado pela existência do Estaleiro, poderíamos concluir que o número de
navios que frequenta as águas portuguesas para virem à Lisnave, é apenas uma
pequeníssima quantidade comparada com a quantidade daqueles que cruzam as
nossas águas e, particularmente, daqueles que visitam os nossos portos em
operações comerciais.
Por outro lado, esclareço que as tintas
designadas por TBT estão proibidas pela Comunidade Europeia de ser aplicadas ou
utilizadas em navios que arvorem bandeiras da UE e, por isso, desde finais de
2002 que não são aplicadas na Lisnave.
Outra questão que se pode colocar é a
possibilidade de acidente, isto é, derrames de produtos oleosos pelos navios, o
que não se aplica na nossa situação, dado os navios que se deslocam ao
estaleiro, para reparação, estarem descarregados.
No respeitante a poluição do ar é óbvio
que a nossa actividade produz algumas poeiras, mas é seguramente melhor a
qualidade do ar do estaleiro e zona envolvente, do que a daquele que se respira
em qualquer cidade, pois nós não produzimos fumos.
Por fim, a questão dos solos. O solo só
pode ser contaminado por infiltrações; ora os nossos resíduos industriais
sólidos são separados na origem e posteriormente segregados por tipo, em parque
impermeabilizado, e entregues a entidades credenciadas para o seu tratamento ou
eliminação. A Lisnave está sujeitos a vários controlos, quer internos, quer
externos, pelo que é praticamente nula a probabilidade de contaminação de
solos.
SR –
É uma empresa certificada?
FS -
Sim, no que respeita a qualidade e protecção de segurança. Quanto a
ambiente, estamos a trabalhar, neste momento, para obtermos a certificação
ambiental, algo que não é, contudo, muito fácil, dado o estaleiro estar sujeito
a normas europeias que por vezes são um pouco exageradas.
SR –
Considera a Lisnave bem integrada na região?
FS –
Tentamos que o seja. Um dos aspectos que nos preocupa é que as pessoas à volta
percebam que estamos aqui para trazer benefícios ao país e à região e não para
poluir ou estragar o que quer que seja. No que toca ainda ao ambiente, sempre
que alguém tiver dúvidas, convidamo-lo a vir visitar-nos para ver a nossa
metodologia de trabalho. A nossa forma de estar, requer a aplicação de normas
conscientes que nos orgulhamos de aplicar.
SR –
Não sente que a imagem exterior da empresa é ainda um pouco negativa?
FS –
Com a ajuda da imprensa regional temos vindo a divulgar a nossa realidade e a
mostrar que aquilo que as pessoas pensam de nós, nem sempre está correcto. Eu
estou sempre disponível para esclarecer qualquer dúvida em qualquer lugar, mas
temos que ter paciência e persistência porque a situação não se resolve com
campanhas publicitárias na televisão. Já tivemos a visita de um programa, o
Planeta Azul, e a única coisa com que se preocupou, foi com a “areia preta”
(grenalha) proveniente, como já disse, do passado, mas nem se preocupou em
analisar a qualidade da água, por exemplo. Não posso fazer mais do que
esclarecer as pessoas e estar disponível para mostrar a documentação que
comprova o que estou a dizer.
SR –
Como são as relações com as instituições da região?
FS –
São óptimas. Um dos responsáveis da Reserva Natural do Estuário do Sado quis
visitar-nos, convidei-o, mostrei-lhe todo o estaleiro e ele saiu daqui com uma
impressão completamente diferente da que tinha quando entrou. Não temos
problemas com ninguém. Uma pessoa a quem falámos da grenalha, quando era ainda
candidato à Câmara de Setúbal, foi com o actual presidente Carlos de Sousa, que
se mostrou disponível para nos ajudar a encontrar soluções.
E aproveito para lhe dizer que, em nosso
entender, a nossa localização e actividade também não perturbam a vida marinha
e a prová-lo, está o facto do xarroco fazer as suas “maternidades” junto aos
pontões onde atracam os navios e muitas vezes vermos os golfinhos a nadar aqui
próximo; aliás nas áreas ao norte do estaleiro, podemos, na época respectiva,
constatar a existência de significativa quantidade de flamingos.
SR –
Esta é uma empresa cidadã?
FS –
Hoje em dia todas as empresas têm uma missão e nós preocupamo-nos em ser uma
empresa cidadã. Procuramos cumprir com todos, com os nossos parceiros de
negócio e os prestadores de serviços, em harmonia com a comunidade. Apesar
disso, não chegarmos a todas as pessoas, pois ainda existe quem, por despeito
ou desconhecimento, diga mal de nós.
Pedro Brinca e Paula Pinto - 17-01-2005
16:06
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